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Palavras. Pensamentos. Desabafos. Em prosa ou em poesia. Com a voz de um amor que se tornou líquido.
Foi na sua primeira década que o mundo ganhou textura num retrato a sépia. A ingenuidade ressoou em todos os recantos e apenas as lágrimas souberam cair. A voz que todos os dias cantava permaneceu em silêncio, tal como o corpo que horas antes brincava de um lado para o outro sem conter a energia que se avolumava debaixo da pele. Um momento que entorpeceu todos os gestos, sem que a consciência do mundo lhe permitisse alcançar a compreensão. Somente a dor e o vazio gritavam por dentro, sem lugar para a culpa ou a revolta. Naquele dia, há vinte anos, tudo mudou. Um todo coeso que se estilhaçou em pedaços incontáveis, muitos dos quais ainda hoje continuam por agrupar. Há vinte anos que a ferida daquela noite se arrasta na visita pela vida, numa desconexão entre o que o corpo deseja e o que a mente, envergonhada, não permite.
Hoje, permanece em falta a transparência das mãos que se abraçam. Não se conhece o cheiro da outra pele, a verdade no olhar, a magia de não querer nunca adormecer. As lágrimas entram sorrateiramente pela janela de quando em vez, como o vazio se disfarça com sonhos demasiado distantes. E a dor? Ai a dor perdeu-se na viagem até aqui! Conhecem-se a impotência na revolta assim como a indiferença no sentido de culpa. Não lhe importa o porquê de lhe ter acontecido, senão o como vai prosseguir apesar do que aconteceu. Há dias em que aqueles abraços ganham cor nos sorrisos que se imaginam ser cúmplices. Algum dia haverão de o ser. Pelo peso daquela lua, pelo saber que a felicidade há-de lhe pertencer. Algum dia. Porque naquele dia a praia esqueceu os castelos de areia num mar que, durante horas, gritou em desespero. Algum dia. E nesse dia, na calmaria do que passou, a alegria da aceitação e da espera trará o marasmo ao oceano e as marés mudarão no interior de si.
(Fotografia: Marco De Waal)
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