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Palavras. Pensamentos. Desabafos. Em prosa ou em poesia. Com a voz de um amor que se tornou líquido.
O tempo guarda-se em versos
e é vida tudo o que existe nas estrofes.
Da morte nasce afinal a poesia,
ou será que por magia
o poema somos sempre nós?
O espelho onde tanto procuramos as respostas que a sociedade nos impõe é um lugar confuso cuja concavidade deforma o que, sem saber, existe dentro de nós.
Esse universo obtuso no qual nos deixamos levar não é amigo de ninguém. Somos iludidos no que alguém decidiu ser moda, ser beleza ou indicador de sucesso. Sinais quase sempre superficiais de construtos cuja definição é demasiado subjetiva para que possam ser encarnados na organicidade do que somos. Não obstante, acreditamos. No que vende mais, no que nos dizem ser melhor, no que outros exibem como se de montras ambulantes se tratassem. Gente que se tornou interessante sem conhecermos e a quem damos a nossa atenção embora permaneçam desconhecidos.
Vamos atrás do que não sabemos que não precisamos, do que fingimos que queremos para exibir a quem se cruzar connosco daí em diante. Quanto mais adereçamos o limite da nossa essência, maior é o vazio que nos ocupa. O vácuo da alma transcende o espaço dos órgãos, o sangue lentifica-se numa viagem na qual se perde o significado da direção.
Tempo a gente não compra e amor próprio também não. Vem do negro das profundezas onde, até nós, nos recusamos explorar. Temos receio de quê? De lá ficar?
Dói entender a verdade do que temos, principalmente quando ela diverge do que compramos sendo irrefutável. Mas não é.
Quando a pele respira das máscaras que a sufocam diariamente, resta a nudez cujo confronto nos atormenta. Porém, ela permanece. Carente de compreensão. De que o espelho onde se reflete a imagem do que queremos ser, esteja embaciado de variáveis que não nos pertencem. E, sobretudo, de que o reflexo mais verdadeiro seja o da convexidade que habita no espaço do corpo, o lar da beleza sincera que tanta graça perde no teatro das ostentações.
Um ciclo. Tudo o que presente de um outrora passado nos tira, o futuro da mesma vida voltará a dar.
Não importa a matemática dos dias que passem, dos minutos que tenhamos de contar. Esse momento chegará, acreditas?
Por muito invernoso que o horizonte te pareça, por muito escorregadio que o passadiço te esfrie os pés molhados pela chuva. Por muito que o vento te desafie o equilíbrio e a insegurança te grite “é melhor parar”. Não, nisso não acredites! Ela quer que desistas. Que te escondas e que não insistas. Quer que te resguardes na sombra de um possivelmente que, para ti, nunca será realidade.
Por isso, acredita. Mas acredita com a mesma garra com que desvias os arbustos caídos pelo chão, com a mesma vontade das lágrimas que te aquecem o rosto. Acredita e aceita quem te queira dar a mão.
Por muito que o destino te pareça distante. Por muito que a escuridão te sussurre ao ouvido. Por muito que a morte te desafie a coragem do querer permanecer. Por tudo, lembra-te: mais que o medo da morte é o receio de estar vivo, de não saber qual o caminho, percurso esse que vais atravessar, seja a correr ou devagar, vais porque estás vivo.
Esse não saber explicar que te inflama os olhos nos momentos de desespero é o mesmo que te incha as veias na altura de arriscar.
De pensar, sentir, aprender e continuar. Porque o destino não está onde chegaremos. Não está na linha longínqua que ainda não vemos. O destino está em cada passo dado, em cada direção que escolhes, em cada palavra que dizes, nos lugares onde decides ficar.
O destino és tu. Serás sempre tu a vesti-lo e nunca ele a cobrir-te a ti. Despe essa ideia, sopra esse pensamento, e num somente intento, fecha os olhos e abre-os novamente. Fecha e volta a abrir. Nada mudou, certo?
O dilúvio permanece zangado com o mundo, o frio às avessas com o conforto de um chocolate quente.
Agora experimenta olhar para longe.
Isso.
Não, um pouco mais longe.
Aí, está perfeito.
Inspira e começa a andar. Lentamente. Mais.
Calma, devagar.
Assim.
Continua.
Ok, pára.
Fecha os olhos. Cerra com toda a tua força. Inspira. Expira. Enche o peito de ar. Agora quero que olhes para a frente. O longe ficou perto?
Não, pois não? Continua longe, eu sei. E estás cansado. Mas não exasperes. Respira. Fecha os olhos. Aperta as mãos com força, abre os olhos devagarinho e olha para trás. Olha para de onde partiste e vê onde estás!
É essa a tua viagem. A de agora, a do passado e a do futuro também. O destino leva-lo contigo. A vida coloca-te as encruzilhadas e, o mundo, a ideia de que mais vale não prosseguir.
Mas acredita, tudo o que tu queres está em ti. E quando avanças, a ideia de que não és nada foge num sopro de revolta, da mesma maneira que a vida ganha respeito por ti. Porque tu o mereces. Por cada queda, por cada vazio, por cada entrega, a vida não te nega uma nova oportunidade. É verdade! Acredita.
E faz disto uma lembrança para que te sirva, algum dia, de saudade.
Quando o silêncio da noite cai e o vento sopra baixinho, escutam-se os arranhões do vinil empoeirado, entre o pranto do contrabaixo e o fado do violino, num concerto em desconserto onde os corpos se consomem pela harmonia.
(Lisboa, 6 de Fevereiro de 2019)
Foi na sua primeira década que o mundo ganhou textura num retrato a sépia. A ingenuidade ressoou em todos os recantos e apenas as lágrimas souberam cair. A voz que todos os dias cantava permaneceu em silêncio, tal como o corpo que horas antes brincava de um lado para o outro sem conter a energia que se avolumava debaixo da pele. Um momento que entorpeceu todos os gestos, sem que a consciência do mundo lhe permitisse alcançar a compreensão. Somente a dor e o vazio gritavam por dentro, sem lugar para a culpa ou a revolta. Naquele dia, há vinte anos, tudo mudou. Um todo coeso que se estilhaçou em pedaços incontáveis, muitos dos quais ainda hoje continuam por agrupar. Há vinte anos que a ferida daquela noite se arrasta na visita pela vida, numa desconexão entre o que o corpo deseja e o que a mente, envergonhada, não permite.
Hoje, permanece em falta a transparência das mãos que se abraçam. Não se conhece o cheiro da outra pele, a verdade no olhar, a magia de não querer nunca adormecer. As lágrimas entram sorrateiramente pela janela de quando em vez, como o vazio se disfarça com sonhos demasiado distantes. E a dor? Ai a dor perdeu-se na viagem até aqui! Conhecem-se a impotência na revolta assim como a indiferença no sentido de culpa. Não lhe importa o porquê de lhe ter acontecido, senão o como vai prosseguir apesar do que aconteceu. Há dias em que aqueles abraços ganham cor nos sorrisos que se imaginam ser cúmplices. Algum dia haverão de o ser. Pelo peso daquela lua, pelo saber que a felicidade há-de lhe pertencer. Algum dia. Porque naquele dia a praia esqueceu os castelos de areia num mar que, durante horas, gritou em desespero. Algum dia. E nesse dia, na calmaria do que passou, a alegria da aceitação e da espera trará o marasmo ao oceano e as marés mudarão no interior de si.
(Fotografia: Marco De Waal)
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