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Palavras. Pensamentos. Desabafos. Em prosa ou em poesia. Com a voz de um amor que se tornou líquido.
Na perpendicularidade da luz que aclarava os teus olhos esverdeados, sentia, dentro do meu peito, a tua respiração. Lenta. Dorida. Cada vez mais cansada. À distância do que a minha mão podia alcançar, a tua, por vezes, correspondia, num abraço onde os dedos se queriam, mas sem pouco se conseguirem tocar.
Sabia-te perto de mim. Não como num afago a que, no alpendre, as estrelas assistiam de longe. Não como no dia em que o Henry me apresentou e os nossos olhares, miúdos e envergonhados, de fugida, se fizeram cruzar. Sabia-te algures. No que me tornei, seguramente, porém num limiar onde te percebia inconstante.
Desde o primeiro sorriso nosso que nunca mais sentimos o peso da tristeza entre nós. Fomos íntimos da loucura que quisemos, juntos, viver. Fomos cúmplices do que acreditámos ter significado, quando foram tantos os que nos alertaram para o sem sentido. Foi pela proximidade que não desistimos e é nela que, agora, te sinto perder.
Recordo a Olivia quando era menina ingénua e sorridente. Lembro-me dos jantares em família numa mesa onde não cabia toda a gente. Tenho a lembrança do teu irmão, Samuel, cantar à desgarrada com o meu pai, Afonso, enquanto ouvíamos a melodia suave do piano beijado pelo toque inquieto de Jack, o nosso neto. Não me falham na mente as vezes que sentimos o Bruce vir dormir aos nossos pés. Encontrámos a felicidade nas antíteses do que a própria existência oferece. Conduzimos pela estrada fora até o dia nascer e antes que o sol se pusesse, numa fusão entre o mar e a pele, deixámos que os nossos pensamentos se elogiassem depois dos corpos adormecerem em amor. Foi tão bom, não foi?
Sei que não fui perfeita, Mathias. Reconheço que nos vimos envelhecer. Que a leveza da inexperiência trouxe o fardo da maturidade. Não para a essência do que, em mim, vi crescer, senão para a página do que me suporta, e onde as palavras desvanecem a um ritmo vertiginoso. Permanecem talvez as vírgulas de uma incerteza futura e, das desilusões que sararam, sobram somente os pontos finais.
Tenho medo que a penumbra te leve, que a lua na janela escureça as tuas lágrimas e que na tentativa de segredar o que mais não posso conter, a noite te faça surdo de mim.
- Se assim for, Liv, farei com que o amanhã te cegue de ser.
(Fotografia de Melissa Sloan)
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