Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]


Arbeit macht frei

por amorlíquido, em 08.04.20

EHSR7204 - Cópia.JPG

Do alemão que significa "o trabalho liberta", este é um texto onde, nas minhas palavras, abunda o silêncio de respeito por todos os que, em Auschwitz, perderam a vida, a libertação e, antes disso, a dignidade. 

Em 2019 tive o privilégio de visitar o Museu e Memorial Auschwitz, localizado em Oświęcim, um município polaco a pouco menos de sessenta e cinco quilómetros de Cracóvia. Fundado em 1947, abrange perto de 190 hectares de superfície, divididos em dois campos de concentração: o campo de Auschwitz I (20 ha) e o campo de Auschwitz II-Birnkenau (171 ha). Mais ou menos como a área que ocupariam duzentos campos de futebol.

Sabemos que os principais elementos da ideologia nazista eram o ódio à democracia, ao comunismo e aos judeus, sem esquecer a convicção da superioridade da nação alemã face às demais. Os campos de concentração foram criados pelo Terceiro Reich, a partir de 1933, nos quais eram aprisionadas todas as pessoas consideradas como indesejáveis e desprezíveis: adversários políticos do regime nazi, judeus, criminosos, homossexuais, testemunhas de Jeová. Não importava a idade, o sexo ou as convicções pessoais. Uma política racista e exterminadora onde as armas eram a fome, as execuções coletivas e o extermínio em massa nas câmaras de gás. 

Auschwitz foi o primeiro campo de concentração alemão nazi e tornou-se também o maior de todos os que foram criados. Durante a existência deste campo (de Junho de 1940 a Janeiro de 1945), foram deportados pelo menos 1,3 milhões de pessoas com distintas nacionalidades. Destes, 900 mil judeus foram assassinados imediatamente após a sua chegada ao campo. Estes recém chegados que eram considerados pelos médicos da SS como sendo inaptos para o trabalho, na sua maioria mulheres grávidas, crianças, pessoas doentes, deficientes e idosos, eram levados para as câmaras de gás, onde lhes diziam que teriam de se desinfetar e tomar banho antes de serem direcionados para o campo. As pessoas escolhidas eram despidas antes de entrar nas acomodações equipadas com chuveiros falsos e vestiários, de onde não regressavam. Dos restantes que vinham em cada transporte, eram levados para o campo, registados como prisioneiros, marcados com números e obrigados a trabalhar como escravos. 

O segundo campo, considerado como o maior centro de extermínio de judeus e o maior campo de concentração nazi para prisioneiros, com origem no portão de entrada por onde entravam os comboios com judeus deportados para o extermínio, cumpria também a função de principal posto de guarda SS. A partir desse primeiro grande plano, surge à direita uma fileira de barracões de madeira e, à esquerda, uma de barracões de tijolo. Todos envoltos por uma cerca de arame farpado com inúmeras torres de vigilância. Neste campo é possível ver as ruínas das câmaras de gás e crematórios, o monumento em memória de todas as vítimas que foi erguido em 1967, localizado a 800 metros da porta principal do campo e que fecha o caminho que, durante a guerra, conduzia os prisioneiros às câmaras de gás. Vê-se e visita-se também o prédio do banho principal do campo (designado por Sauna) ou o armazém que continha os bens roubados (Canadá). 

GZCYE9580 - Cópia.JPG

O campo de Birkenau é composto por vários setores, onde homens e mulheres eram divididos, para além de ser composto por barracões de diferentes materiais. Os de tijolo destinados a 700 pessoas, onde eram colocados 60 beliches de três níveis e, em cada nível, deveriam dormir entre 6 a 7 pessoas. Nos barracões de madeira, destinados a 400 pessoas, não havia janelas. Os prisioneiros dormiam sobre colchões de palha e um mesmo cobertor era partilhado por vários indivíduos. 

O campo mais pequeno, Auschwitz I encontra-se dividido por vários blocos. Por exemplo, o bloco 5: "Provas dos Crimes" contém salas incontáveis com objetos pessoais que foram roubados aos judeus, pertences como óculos, próteses das pessoas com deficiências visíveis, malas, roupas de criança e sapatos infantis, panelas, escovas de dentes, pincéis de barbear. Todos esses objetos são reais e foram conservados. O bloco 7: "Condições de Moradia e Sanitárias", onde o visitante pode observar locais sanitários, quartos, dormitórios que estão dispostos de forma a transmitir a imagem de como era a realidade vivida no campo. 

CQHNE4893 - Cópia.JPG

Se dentro dos blocos é a quietude do corpo que domina, engolindo em seco com o pensamento em revolta, no exterior, o cenário é igualmente aterrador. Desde a praça da formatura à forca coletiva, as próprias câmaras de gás e crematórios também eram visitáveis. 

Mas, e falo na primeira pessoa, as lágrimas não as pude mais conter quando, à porta do bloco 6: "A Vida do Prisioneiro", estava longe de imaginar o que iria encontrar. Aflige processar toda a informação lida sobre a história, sobre o desenrolar dos acontecimentos, o coração aperta-se quando te deparas com as toneladas de cabelo humano que era rapado para produzir tecidos de crina e feltro, e, minutos depois, à entrada de um corredor com término sem que lhe vejas o fim, toda a dor ganha um rosto. Dois, três, dezenas, centenas, milhares. Nas paredes de uma cor que deveria transmitir tranquilidade, gera-se uma antítese que não sabes descrever. A esperança de um lado, o sofrimento do outro, numa sobreposição quase unificada. Ouves, lá ao fundo, num aglomerado de sossego, uma voz que diz: "Todas as mulheres e todos os homens que aparecem nas fotos, morreram no campo."

Tu, permaneces ali, como se o mundo se afastasse de ti sem que abandonasses aquele lugar. A cada passo que dás, um outro alguém. Com identidade, com um nome, uma data e, sobretudo, uma expressão comum a quase todas aquelas molduras que pareciam forrar de negro a irónica serenidade: descrença, mágoa, tristeza, angústia, vulnerabilidade. Uma vontade roubada que deu origem ao desespero e à inevitabilidade do desistir. Conformismo, complacência. Subjugando-se à cobardia de quem se julga mais que o ninguém que sempre foi. E o sentido para a vida que sempre existiu, desaparece na poeira pisada pelos pés descalços numa escravatura sem retorno, onde o regresso é somente ao nada de onde todos surgimos. 

IMG_E9878.JPG

Desumano, bárbaro, hediondo, imperdoável e incompreensível. Sinto o maior desapreço por tais atos e o mais sincero respeito por todos os que foram vítimas de quem nem alma nem coração teve. Cativos num regime totaltarista e ditatorial.

Pelos que morreram em vão. Pelos que sobreviveram à deriva, abraçados ao que tinham de melhor dentro si. Uma viagem de amadurecimento, a minha. E de tantos, na resiliência afogada pela injustiça cruel de quem nunca foi capaz de ver o mundo da cor que ele é. A cor da liberdade. 

JLZPE7025.JPG

Autoria e outros dados (tags, etc)


6 comentários

Imagem de perfil

Ana Mestre a 08.04.2020

Olá!
Este texto diz-me tanto...
Aos 12 anos li o "Diário de Anne Frank" , a a partir daí despertou-me o interesse sobre o tema .

Tenho lido muito sobte o tema e principalmente sobre os campos de concentração e cada vez tenho mais perguntas sem resposta ...

Obrigada pela partilha .
Imagem de perfil

amorlíquido a 09.04.2020

Obrigada eu, Ana. É um tema sem dúvida que mexe com todos nós
Imagem de perfil

The Travellight World a 09.04.2020

Parabéns pelo excelente texto.
Descreve perfeitamente aquilo que (também eu) senti quando visitei este lugar...
Imagem de perfil

amorlíquido a 09.04.2020

Obrigada! Pelas palavras e pela visita
Imagem de perfil

bii yue a 09.04.2020

Ler isto levou-me de volta quando fui visitar os campos
Se a memória que mais trago entranhada foi quando vi as celas e as camaras de gás e viam-se as unhas cravadas na parede, aterrador e sentia-se no ar todo o desespero, revolta, a morte que pairava no ar. É duro, faz uma pessoa sentir-se bem pequenina por tanta crueldade que aconteceu. Mas é lembrete para a humanidade e uma história que temos que aceitar.
Imagem de perfil

amorlíquido a 09.04.2020

É verdade! Como somos pequenos. Mas os erros do passado servem para que essa pequenez da humanidade se agigante no significado de ser Humano.
Um beijinho

Comentar post



Mais sobre mim

foto do autor


Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.


Arquivo

  1. 2021
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2020
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D