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Palavras. Pensamentos. Desabafos. Em prosa ou em poesia. Com a voz de um amor que se tornou líquido.
Do alemão que significa "o trabalho liberta", este é um texto onde, nas minhas palavras, abunda o silêncio de respeito por todos os que, em Auschwitz, perderam a vida, a libertação e, antes disso, a dignidade.
Em 2019 tive o privilégio de visitar o Museu e Memorial Auschwitz, localizado em Oświęcim, um município polaco a pouco menos de sessenta e cinco quilómetros de Cracóvia. Fundado em 1947, abrange perto de 190 hectares de superfície, divididos em dois campos de concentração: o campo de Auschwitz I (20 ha) e o campo de Auschwitz II-Birnkenau (171 ha). Mais ou menos como a área que ocupariam duzentos campos de futebol.
Sabemos que os principais elementos da ideologia nazista eram o ódio à democracia, ao comunismo e aos judeus, sem esquecer a convicção da superioridade da nação alemã face às demais. Os campos de concentração foram criados pelo Terceiro Reich, a partir de 1933, nos quais eram aprisionadas todas as pessoas consideradas como indesejáveis e desprezíveis: adversários políticos do regime nazi, judeus, criminosos, homossexuais, testemunhas de Jeová. Não importava a idade, o sexo ou as convicções pessoais. Uma política racista e exterminadora onde as armas eram a fome, as execuções coletivas e o extermínio em massa nas câmaras de gás.
Auschwitz foi o primeiro campo de concentração alemão nazi e tornou-se também o maior de todos os que foram criados. Durante a existência deste campo (de Junho de 1940 a Janeiro de 1945), foram deportados pelo menos 1,3 milhões de pessoas com distintas nacionalidades. Destes, 900 mil judeus foram assassinados imediatamente após a sua chegada ao campo. Estes recém chegados que eram considerados pelos médicos da SS como sendo inaptos para o trabalho, na sua maioria mulheres grávidas, crianças, pessoas doentes, deficientes e idosos, eram levados para as câmaras de gás, onde lhes diziam que teriam de se desinfetar e tomar banho antes de serem direcionados para o campo. As pessoas escolhidas eram despidas antes de entrar nas acomodações equipadas com chuveiros falsos e vestiários, de onde não regressavam. Dos restantes que vinham em cada transporte, eram levados para o campo, registados como prisioneiros, marcados com números e obrigados a trabalhar como escravos.
O segundo campo, considerado como o maior centro de extermínio de judeus e o maior campo de concentração nazi para prisioneiros, com origem no portão de entrada por onde entravam os comboios com judeus deportados para o extermínio, cumpria também a função de principal posto de guarda SS. A partir desse primeiro grande plano, surge à direita uma fileira de barracões de madeira e, à esquerda, uma de barracões de tijolo. Todos envoltos por uma cerca de arame farpado com inúmeras torres de vigilância. Neste campo é possível ver as ruínas das câmaras de gás e crematórios, o monumento em memória de todas as vítimas que foi erguido em 1967, localizado a 800 metros da porta principal do campo e que fecha o caminho que, durante a guerra, conduzia os prisioneiros às câmaras de gás. Vê-se e visita-se também o prédio do banho principal do campo (designado por Sauna) ou o armazém que continha os bens roubados (Canadá).
O campo de Birkenau é composto por vários setores, onde homens e mulheres eram divididos, para além de ser composto por barracões de diferentes materiais. Os de tijolo destinados a 700 pessoas, onde eram colocados 60 beliches de três níveis e, em cada nível, deveriam dormir entre 6 a 7 pessoas. Nos barracões de madeira, destinados a 400 pessoas, não havia janelas. Os prisioneiros dormiam sobre colchões de palha e um mesmo cobertor era partilhado por vários indivíduos.
O campo mais pequeno, Auschwitz I encontra-se dividido por vários blocos. Por exemplo, o bloco 5: "Provas dos Crimes" contém salas incontáveis com objetos pessoais que foram roubados aos judeus, pertences como óculos, próteses das pessoas com deficiências visíveis, malas, roupas de criança e sapatos infantis, panelas, escovas de dentes, pincéis de barbear. Todos esses objetos são reais e foram conservados. O bloco 7: "Condições de Moradia e Sanitárias", onde o visitante pode observar locais sanitários, quartos, dormitórios que estão dispostos de forma a transmitir a imagem de como era a realidade vivida no campo.
Se dentro dos blocos é a quietude do corpo que domina, engolindo em seco com o pensamento em revolta, no exterior, o cenário é igualmente aterrador. Desde a praça da formatura à forca coletiva, as próprias câmaras de gás e crematórios também eram visitáveis.
Mas, e falo na primeira pessoa, as lágrimas não as pude mais conter quando, à porta do bloco 6: "A Vida do Prisioneiro", estava longe de imaginar o que iria encontrar. Aflige processar toda a informação lida sobre a história, sobre o desenrolar dos acontecimentos, o coração aperta-se quando te deparas com as toneladas de cabelo humano que era rapado para produzir tecidos de crina e feltro, e, minutos depois, à entrada de um corredor com término sem que lhe vejas o fim, toda a dor ganha um rosto. Dois, três, dezenas, centenas, milhares. Nas paredes de uma cor que deveria transmitir tranquilidade, gera-se uma antítese que não sabes descrever. A esperança de um lado, o sofrimento do outro, numa sobreposição quase unificada. Ouves, lá ao fundo, num aglomerado de sossego, uma voz que diz: "Todas as mulheres e todos os homens que aparecem nas fotos, morreram no campo."
Tu, permaneces ali, como se o mundo se afastasse de ti sem que abandonasses aquele lugar. A cada passo que dás, um outro alguém. Com identidade, com um nome, uma data e, sobretudo, uma expressão comum a quase todas aquelas molduras que pareciam forrar de negro a irónica serenidade: descrença, mágoa, tristeza, angústia, vulnerabilidade. Uma vontade roubada que deu origem ao desespero e à inevitabilidade do desistir. Conformismo, complacência. Subjugando-se à cobardia de quem se julga mais que o ninguém que sempre foi. E o sentido para a vida que sempre existiu, desaparece na poeira pisada pelos pés descalços numa escravatura sem retorno, onde o regresso é somente ao nada de onde todos surgimos.
Desumano, bárbaro, hediondo, imperdoável e incompreensível. Sinto o maior desapreço por tais atos e o mais sincero respeito por todos os que foram vítimas de quem nem alma nem coração teve. Cativos num regime totaltarista e ditatorial.
Pelos que morreram em vão. Pelos que sobreviveram à deriva, abraçados ao que tinham de melhor dentro si. Uma viagem de amadurecimento, a minha. E de tantos, na resiliência afogada pela injustiça cruel de quem nunca foi capaz de ver o mundo da cor que ele é. A cor da liberdade.
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