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A arte curvilínea de caminhar

por amorlíquido, em 03.02.21
Há um arco que se projeta no espelho de água que cobre o mundo. A imponência que se ergue entre duas margens pouco mais que nada distantes.
A sul, o mato amedrontado por uma timidez ingénua que derrete com a precipitação. Seco e tão desconhecido quanto abandonado. Seria a utopia de um sonho poder alguém, algum dia, lá chegar. Mas foi na esperança fabulada de morrer de sede que guardou esse postal outrora oferecido, e partiu.
Entre a bravura da chuva e a voracidade do vento, ignorou atalhos que o sol se atrevera a fazer brilhar. Porém, seguiu em frente. As suas mãos tocaram o solo, pela natureza ensanguentado, e afastaram a frieza de um céu muito maior.
E seguiu. Ninguém sabe bem para onde.
Entre montanhas e desertos intocáveis, conheceu árvores carbonizadas de desespero humilde e aprendeu com outras que de todas as cores se cobriam. Tantos dias se passaram num relógio que parou fazendo prolongar a durabilidade de uma essência sucessivamente mutável. As tardes, à sombra de um porto seguro que trocou pelo dilúvio da alma, e quantas delas foram contra a sua vontade.
A pele pouco mais que um farrapo incompleto onde as feridas faziam escorregar o peso do que não pertence. Mas, novamente, seguiu. Na ânsia constante de ver diante de si a veracidade do que guardava às costas. Um lugar inquietamente diferente. O dia e a noite juntos num singelo momento no qual a coragem paralisou e o medo permitiu andar. Procurou a verdade entre arbustos do seu tamanho e, acolá, bem no fundo, depois de um riacho tímido e congelado, o cenário apresentou-se.
Notava algo distintamente peculiar, algum detalhe envergonhado manifestamente diferente. A margem colorida à direita, o percurso num tom misto acinzentado entre a esquerda e o futuro presente.
Era aquele o lugar do seu espanto, não tinha como não ser. Por isso continuou numa constância que cessava perto e, nesse instante, compreendeu o que faltava.
O arco contíguo envolto numa ponte que dividia tempos opostos. Na prisão de um minuto passado atrás de onde desejava somente estar.
Ali ficou, na suspensão entre duas identidades, na pausa de uma viagem inglória em que a sobrevivência abraçou a arte curvilínea de caminhar.
 

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