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Desconsertos

por amorlíquido, em 18.02.21

Quando o silêncio da noite cai e o vento sopra baixinho, escutam-se os arranhões do vinil empoeirado, entre o pranto do contrabaixo e o fado do violino, num concerto em desconserto onde os corpos se consomem pela harmonia. 

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(Lisboa, 6 de Fevereiro de 2019)

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Há 20 anos tudo mudou

por amorlíquido, em 17.02.21

Foi na sua primeira década que o mundo ganhou textura num retrato a sépia. A ingenuidade ressoou em todos os recantos e apenas as lágrimas souberam cair. A voz que todos os dias cantava permaneceu em silêncio, tal como o corpo que horas antes brincava de um lado para o outro sem conter a energia que se avolumava debaixo da pele. Um momento que entorpeceu todos os gestos, sem que a consciência do mundo lhe permitisse alcançar a compreensão. Somente a dor e o vazio gritavam por dentro, sem lugar para a culpa ou a revolta. Naquele dia, há vinte anos, tudo mudou. Um todo coeso que se estilhaçou em pedaços incontáveis, muitos dos quais ainda hoje continuam por agrupar. Há vinte anos que a ferida daquela noite se arrasta na visita pela vida, numa desconexão entre o que o corpo deseja e o que a mente, envergonhada, não permite. 

Hoje, permanece em falta a transparência das mãos que se abraçam. Não se conhece o cheiro da outra pele, a verdade no olhar, a magia de não querer nunca adormecer. As lágrimas entram sorrateiramente pela janela de quando em vez, como o vazio se disfarça com sonhos demasiado distantes. E a dor? Ai a dor perdeu-se na viagem até aqui! Conhecem-se a impotência na revolta assim como a indiferença no sentido de culpa. Não lhe importa o porquê de lhe ter acontecido, senão o como vai prosseguir apesar do que aconteceu. Há dias em que aqueles abraços ganham cor nos sorrisos que se imaginam ser cúmplices. Algum dia haverão de o ser. Pelo peso daquela lua, pelo saber que a felicidade há-de lhe pertencer. Algum dia. Porque naquele dia a praia esqueceu os castelos de areia num mar que, durante horas, gritou em desespero. Algum dia. E nesse dia, na calmaria do que passou, a alegria da aceitação e da espera trará o marasmo ao oceano e as marés mudarão no interior de si. 

woman wearing white spaghetti-strap top near body of water

(Fotografia: Marco De Waal)

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Pensamentos diários #7

por amorlíquido, em 16.02.21

No profundo de quem se permite ser verdade,

há mais luz do que naqueles que morrendo se afogam à superfície.

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15 de Fevereiro de 2021

por amorlíquido, em 15.02.21
Hoje, página 46 de 365. Um segundo capítulo repleto de intensidade. Nunca no preâmbulo desta viagem teria na imaginação uma fertilidade capaz de antever tamanha reviravolta. Desejei tudo como sempre. Que às tempestades as pudesse sentir antes de, em mim, se fazerem chorar. Quis os sorrisos multiplicados do antigamente e que as dificuldades dessa instância se tivessem perdido pelo caminho, sem a sabedoria suficiente para regressar.

Tudo me pareceu estranho naquelas notas iniciais. Um primeiro capítulo onde todas as 8 biliões de personagens se sentaram diante de mim, olvidando quaisquer apresentações individuais. Algumas sabia serem minhas, outras uma parte de mim. Todas pertencentes a uma esfera comum. Com rostos vulgares, nomes desconhecidos, histórias arrepiantes e uma vida ainda por desenhar. Assim virei a página que abria portas ao capítulo segundo, o mais curto dos doze por completar, porém de um enredo interminável. Perguntei-me porquê. Como seria possível a essência daquele tempo perdurar além das suas margens tocáveis por nenhum de nós? Com o coração apertado, o fôlego prestes a sucumbir, sabia que algo estava errado. A procura constante de uma lógica argumentável não me permitia crer em tal irracionalidade.

Foi na página 33, nas primeiras palavras daquele parágrafo de um terceiro começo, onde tudo desabou. Um passeio longe de ser feliz. Sabia certamente ser o prelúdio de um livro que se publicou cedo demais. Numa sociedade global apartada pelos idiomas que as dividem. Num universo onde os iletrados são mais que muitos, tanto os que em consciência o admitem como os que, por vergonha, fingem não reconhecer. Mensagens demasiado profundas, não indecifráveis, porém exigentes de um tempo mal conseguido.

Uma guerra sem fim à vista. Cada letra ao papel abraçada é uma bala que irrompe num cenário desprotegido e no qual as diferenças sobressaem inequivocamente. Quarenta e cinco dias depois, mantém-se a incerteza de um futuro que não sabemos se foi passado ou é presente. Emerge a pobreza dos mais frágeis, a altivez dos mais insensatos, numa luta sangrenta onde não vemos de onde surgem os disparos.

Hoje, mais de dois milhões das personagens principais já nos deixaram. Uns no cume da jovialidade, outros a favor de uma curva ingratamente descendente. Sem cor, sem idade. Alheio às origens semelhantes, tanto como à disparidade do que guardam no bolso. Levaram consigo histórias admiráveis, sofrimentos incomparáveis. Levaram vida. A mesma que, aqui, desvaneceu. Na terra cavada, no suor da desidratação. Levaram-se deixando muito de si. Nos desabafos que escreveram, nas organicidades que conceberam. Talvez nos amores não consumados, nos perdões não concedidos, nos arrependimentos que insistiram guardar. Seguramente nos contornos que ficaram por despedir. Aqueles, de carne e osso, que o solo que sempre pisámos haverá de consumir. Todos eles. Que à distância os souberam voar, e que apesar dessa distância, lamentam a ausência do abraço no momento de partir.

Um livro onde impera o drama, a ação e o terror. A comédia suporta a solidão e procuramos no romance dos que temos uma pausa na dor, uma ponte para a esperança. Livros que são o mundo. Este em que habitamos. Mal sabia eu que era a continuidade de uma obra não publicada, onde as últimas páginas faziam adivinhar a tormenta da pior saga.

Desconfio que o epílogo trará a urgência da mudança. Não nas letras desenraizadas por cada um dos que soubemos fugir, mas talvez na pragmática das ideias, na sintaxe das ações e, sobretudo, na semântica da existência.

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Bom fim de semana!

por amorlíquido, em 12.02.21

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Se fores vida, eu serei vontade de viver

por amorlíquido, em 11.02.21

Se fores um jardim de outono, eu serei a última pétala

se fores o coração, eu serei a seiva de cor inflamada

e se for a vermelhidão do amor, tu saberás como amar.

Se fores os olhos, eu serei as rugas que rasgam no teu sorriso

e se fores sorriso, eu serei os teus lábios. 

Se for os teus lábios, tu serás o desejo

se fores o desejo, eu serei pão torrado 

e tu a manteiga a derreter.

Se fores o vento, eu serei os teus pulmões

como tu a fúria das marés

e se fores maré, eu serei o sal do oceano

se for oceano, tu serás a areia húmida

que entranha o frio nos meus pés. 

Se fores corpo, eu serei o teu tempo

e nesse tempo não saberei como parar. 

Se fores lágrimas, eu serei o teu rosto

se fores um livro, eu serei o aroma das páginas por ler.

Se fores poesia, eu serei cada estrofe

se fores pintura, eu serei uma tela em branco

se estiver por colorir, tu serás artista

e se fores a arte, serei a lucidez de não adoecer. 

Se fores a lua quente de verão, eu serei sol de inverno

se for inverno, tu serás a chama da lareira acesa

e se fores fogo, eu serei as cinzas do dia seguinte. 

Se for noite, tu serás um copo de vinho

e se fores frutado, perder-me-ei na canção de fundo. 

Se fores música, eu serei Chopin em apogeu

mas se fores o orgasmo de um piano, então serei as quatro estações. 

Se fores o silêncio, eu serei segredo

e se for segredo, ficarei debaixo da tua pele

se fores pele desnuda, eu serei o toque

o beijo

e o abraço

se for abraço, tu serás verdade

e se for de verdade, faremos amor com todos os sentidos

porque se for sentido, tu serás vida

e eu a vontade de viver. 

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