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Palavras. Pensamentos. Desabafos. Em prosa ou em poesia. Com a voz de um amor que se tornou líquido.
Sê
o contrário do padrão,
a maledicência da inveja,
a raíz dos boatos enganosos.
Sê a maré dos distúrbios,
a origem do desamparo.
Sê a coincidência de uma minoria
ou a fonte de desagrado.
Sê.
Podes ser o motivo das lágrimas,
a razão da saudade,
a verdade num vazio incalculável
mas sê.
Algum dia terás de ser.
a mudança e a diferença,
a ousadia e a irreverência
e quando fores,
quando te permitires ser,
o mundo irá rir,
julgar,
manipular,
fazer-te desistir.
provavelmente irás cair,
escorregar,
lamentar até insistir
mas persiste
não na versão que o mundo te obriga a criar,
senão na essência que nunca ousou fugir.
Sê tu,
mas sobretudo sê de ti.
(Ribeira das Naus, Fevereiro de 2019)
Ele era o dia e ela a noite.
Eram felizes sempre que a luz se punha, mas no adeus à lua choravam distantes quando viam o sol nascer.
Procuram-se doutorados em desgostos de amor!
Que a vida me leve...
antes que a saudade me persiga
antes que a tristeza me faça refém
ou a coragem fuja de mim.
Quero que me leve com a mesma leveza
com que as noites e os dias se envolvem
sem nunca trair a hora a que regressam.
Que a vida me leve
antes que o sangue se congele
e as lágrimas inudem a terra onde me deitarei quando partir.
Quando o ar me abandonar pelas feridas abertas
ou as raízes sentirem o beijo roubado dos frutos maduros
quero que as folhas caiam de inspiração
nas palavras que gritei para dentro
e que tanta seiva me fizeram perder.
Antes que o mar recue e a areia se torne maré
antes que o amor a morte procure
quero que a vida me leve
levemente
antes que o corpo sucumba
que o sol nasça na penumbra
e a lua me acompanhe no primeiro café.
("Noite Estrelada Sobre o Ródano", 1888, de Van Gogh)
Desde miúda que sempre sonhei muito. Queria trabalhar com pessoas e para pessoas, queria descobrir o mundo o mais possível até ter um mundo maior do meu lado. Cedo soube quais os planos. Estudar, trabalhar e ser Mãe. Para mim, a maternidade era uma meta a cumprir, estando consciente de todos os passinhos prévios que teria de tomar para que esse amor chegasse num momento estável, desejado e refletido. Até hoje não sei bem se este processo pensado foi algo que surgiu naturalmente em mim, se, porventura, resultou de pressões sociais que (ainda) existem, ou, talvez, de ambos.
À data do presente dia, 12 de Janeiro de 2021, olho para trás e muito disso mudou. Não que tenha acontecido numa luz relâmpago que demarcou claramente o antes e o depois, mas num arrasto lento de constantes avanços e recuos. Acho que essa transformação foi gradual e sinónimo de amadurecimento saudável, contudo, tantas são as vezes em que me questiono: "É possível que apenas eu tenha mudado?"
Durante muito tempo as redes sociais tiveram uma importância considerável na minha vida. Era moda. Era viciante. Durante horas a fio. Hoje, são poucas as vezes que por lá passo. Por motivos académicos e profissionais tenho de manter algumas delas e, por essa razão, de vez em quando cruzo-me com antigos/as colegas de infância e adolescência - tempos em que os meus sonhos eram mais que certos. Muitos/as deles/as estão casados, com casa própria, emprego estável e a caminho do segundo filho. Há alturas em que lido bem com isso, pois sinto que AINDA não chegou a minha vez. Há-de chegar, sei que sim. Mas depois há outras em que penso que, algures pelo caminho, perdi o comboio e, agora, terei de ir a pé. Podia ter corrido? Sim. A incerteza não mo permitiu. Se foi um erro? Continuo à procura da resposta a essa pergunta. Para onde deveria ter ido? E agora, para onde vou? Em que lugar devo parar?
Cada vez mais sinto distantes aqueles sonhos de menina. Sinto que me fogem porque outras vontades e inseguranças insistem em surgir. O amor adia-se assim como os projetos perdem a nitidez no seu percurso. E naquela bifurcação enevoada, não me abandona o peso de (ter de?) seguir o padrão. Talvez porque na norma cada etapa está bem vincada. Por muito que se inverta o que está ditado, o tempo voltará a levar esses transeuntes aonde querem chegar. Em contraste, o desvio traz acoplada a dúvida, o desconhecimento e a deriva. Quando chego? Para onde devo ir? A quantos nós?
Olhem que sou pessoa de (a)mar, mas morro de medo de ter uma só vida e de vivê-la em contramão.
Quando soava a campainha, ali estava ele na sala à nossa espera. Caminhava de um lado para o outro próximo ao quadro de giz já muito usado. Em cima da mesa uma pasta castanha envelhecida e, no rosto, uns óculos fundo de garrafa que escondiam rugas tão profundas quanto a exigência que eu já adivinhara. Um semblante pouco caloroso e que me fez estremecer antes mesmo de me sentar.
Nas aulas levava os exercícios mais complexos e desconfio que nunca soube como nenhum de nós se chamava. O tempo cronometrado, parcas palavras numa explicação que era o mais concisa possível, sem espaço a muitas interrogações. "Desenvencilhem-se!", dizia ele, lembro-me tão bem. Mas, hoje, é dele que mais me recordo. Por nos ter mostrado como é possível chegar ao destino sem ser por linha reta, assim como a distância em nada é proporcional à ausência, desde que jamais falte vontade.
Ensinou-nos que os números têm um significado maior que os seus algarismos e que as palavras unem continentes tão depressa como provocam tempestades. Agora sei que por detrás do coração que julguei ser frio, o "acredito em ti" esteve sempre lá. Até eu acreditar. Tal como o João que costumava ficar de castigo todas as aulas, ou a Mariana que fazia questão de se sentar na primeira fila. Hoje, como todos eles, também o Simão sabe que é capaz. E a Leonor, a Inês ou o Francisco.
Todos crescemos à força e aprendemos que não são as palmadas nas costas que nos marcam verdadeiramente, senão quem nos diga que os caminhos serão encruzilhados porque as facilidades não se deparam com os mais fortes.
Hoje, apesar da sua exigência e pouca empatia, só aquela turma sabe como dois mil e vinte vai deixar saudade.
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