Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Palavras. Pensamentos. Desabafos. Em prosa ou em poesia. Com a voz de um amor que se tornou líquido.
Vinte décadas cumpridas de um novo milénio, numa viagem que perdeu pelo caminho tanto do que nos torna humanos. A cooperação que outrora nos foi útil à sobrevivência, deu lugar à busca incansável por um elo mais fraco. Uma luta quase constante na qual a felicidade alheia, a muitos desconforta. Porquê?
Se a História nos ilumina acerca dos erros do passado, a educação deveria, hoje mesmo, alertar para a importância do futuro e de tudo o que ele acarreta. O tempo passa, as sociedades amplificam-se e a cultura influencia aquilo que os valores deveriam fazer evoluir. Mas onde nos perdemos nesta progressão?
Os "likes" estão agora à distância de um clique, embora os princípios ainda subjazam numa crença não ultrapassada do machismo e de um patriarcado muito questionável. Da gente que se teima arrumar em gavetas incolores porque a distinção mata. Os que encaixam e, todos os outros, que só em mentes pouco resolvidas em lado nenhum fazem parte.
Em que altura se esqueceu a tolerância e a compaixão? O mundo continua a parar para discutir não-assuntos. Não porque sejam irrelevantes, senão porque a desvalorização não deveria existir à partida. A etnia, a origem, as questões de género, a violência sexual. Onde foi que se aprendeu a denegrir e agredir tudo e todos os que se desviam do padrão por ninguém instituído? Quem ensinou que a heterossexualidade é a face certa da moeda e, portanto, as demais orientações podem e devem ser ostracizadas? Onde se leu a falácia de que o romance serve, única e exclusivamente, o interesse da procriação?
Afinal, que epidemia deteriorou a coragem para destoar do normativo, em prol do respeito e da aceitação? Assusta-me que a pretensão de julgar o outro amadureça muito antes da capacidade que temos para gostar de nós.
Uma temática que cruza quaisquer fronteiras geográficas, porém aqui, neste retângulo que se autoproclama como democrático, a liberdade continua a ser interrompida quando algo diverge da uniformidade. Defendemos querer avançar, todavia continuamos acoplados a ideologias, não pelo conteúdo que as move, senão como uma jura partidária de um clube ao qual se deve pertencer até ao instante último anterior a qualquer morte. Até quando?
A quantos mais movimentos #metoo ou #blacklivesmatter iremos assistir? Quantas mais vezes a raça será um dos tópicos cuja necessidade de abordagem é tamanha que não escapa ao confronto político num debate presidencial de uma das maiores potências mundiais? Até quando irão as comunidades LGBTQI+ ser menosprezadas nos direitos pelos quais se vêem obrigadas a manifestar? Por mais quanto tempo irão as mulheres ser vítimas de assédio, importunação ou qualquer tipo de injúria de índole sexual? E até quando serão julgadas pela indumentária que envergavam quando situações destas acontecem? Quantas mais vezes se irá questionar um "não"? Não importa o minuto em que foi proferido, nem ninguém precisa de saber o que sucedeu previamente. Foi dito em algum instante? Sim? Então é não. Parou ali. Ponto final. Argumentos que dêem a entender o atiçar de pulsões incontroláveis não justificam atos que violem o direito de consentimento, seja em que circunstância for.
Vamos recuar um pouco. Desde que me conheço que sempre ouvi a lengalenga de que se um homem seduz e se mostra disponível, então é um garanhão, mas uma mulher nos mesmos preparos é, NO MÍNIMO, uma oferecida. Que tem ele a mais que ela? Nada. Nem ela a mais que ele. São iguais nos deveres e nos direitos também. A emancipação das mulheres não deve ser nunca vista como sinónimo de libertinagem, senão como aquele murro firme na mesa ou como aquela atriz que interpreta à luz dos holofotes. Foram demasiados os anos na penumbra, no assento da ingrata humilhação sob alçada de um argumento demasiado pobre: "porque és mulher".
Porque és mulher. Porque és preto. Porque és gay
Durante muito tempo o medo calou vozes, adiou sonhos e silenciou certezas de um amanhã melhor. Tarde nos apercebemos da multidão que chorava em uníssono, calados numa sombra da qual ninguém queria saber. Mas se até a noite faz o dia nascer, certo será que não há escuridão que se eternize.
Porquê este texto? Um desabafo. Pela revolta que me alimenta a raiva, tão simultaneamente como a impotência sentida perante profunda incompreensão. Pelo desejo, talvez utópico, de que os valores, os princípios, o caráter, acompanhem as revoluções tecnológicas, as sociedades liberais e as educações inclusivas, em vez de ficarem presos nas faíscas que, infelizmente, ainda saltam da fogueira dos Neandertais.
E se a vida não trouxer? E se o tempo não levar?
Mas e se a tristeza doer? Ou o amor não nos encontrar?
Afinal, quando vamos aprender a sentir em vez de morrermos a tentar?
Há uns dias, quando me cruzei com esta fotografia tirada num lar em Espanha, o polegar, com a pressa de seguir viagem, recuou na curiosidade do que o olhar havia captado. E nesse breve instante, antes que o medo fizesse transbordar as feridas retalhadas, houve espaço para a reflexão.
Um mundo que se antevê dividir-se em dois momentos não mais indistinguíveis, onde habita o tempo do abraço sem as divisas urgentes à proteção? Em que lugar desta história se deixará perder o cheiro da pele ou a fusão de demais vontades? O poder assustador que emerge da falsa proximidade, entre amores que, apesar do beijo, continuam distantes. Porque falta tudo o que se mantém humano.
Vestiram-se as fronteiras da sensibilidade, transpareceram-se opostos que refletem a incerteza de sentir esperança e, no abismo entre o que resta do que é só nosso e o que pertence ao outro apenas, mascara-se o ímpeto da união. Fecham-se as portas da partilha, as janelas dos não-segredos. Sente-se por dentro o que deixou de existir por fora, na imaginação do que ainda ontem era presente.
Que o futuro nos solte as amarras do que soubemos estar longínquo e que a dificuldade que atravessamos nos faça ver para além das barreiras, agora, necessárias. Que a incógnita do amanhã nos ensine, hoje mesmo, a importância da presença inadiável, a emergência de palavras cantadas em sussurro. Frente a frente, sem écrans, sem personalidades enevoadas, sem intenções mal direcionadas.
Talvez o amor se isole de vez. Da ausência, da não transparência. E os que careçam da sua pujança, serão os primeiros a falecer.
O horizonte. Numa sobreposição de instâncias que diverge do ponto onde pensamos ter de chegar. A imensidão entre lugares desconhecidos, à primeira vista opostos, imersos num ciclo onde a renovação é certeza de mudança.
A geometria do que nos rodeia pouco importa no ciclo que se impõe repetir, porque o erro não está em julgar distante o que da percepção se afasta, senão em acreditar impossível o que vive mesmo debaixo dos nossos pés. São linhas múltiplas numa imaginação coletiva que trapaceia todas as vontades.
Onde tu estás, ninguém desconfia. Assobiam-se rótulos com o mesmo descaramento com que se guardam os egos num novelo emaranhado. Descobertos com o ímpeto de marcar presença no pódio, esquecendo a magia que só existe quando crescemos depois de não ganhar.
Onde eu estou, somente esta matéria sabe os segredos. A que me contém e que transborda para além de mim. A que te procura e a que foge de ti.
Sapatos todos usamos. A sola do nosso corpo aquece nas vitórias e ferve com a amargura das derrotas. Mas o teto que eles pisam, nesse caminho cuja marca esmorece aquando da passagem, esse é único. É o nosso chão, o nosso destino. A nossa cruz. Sempre soube isso, mas só há pouco tempo percebi na metamorfose que o mesmo assume na natureza. Não se prolifera, não se reproduz. Apenas morre e muito antes de nos sentirmos partir.
Afinal o horizonte é uma curiosa efemeridade que habita fora do que somos, alimentando-se do que tentamos assumir. E por muito longínquo que o vejamos, sempre verei o outro mais perto desse alcance, sem saber que aos olhos de alguém deambulo também sobre essa retilineidade.
No fim, estamos igualmente próximos ou igualmente apartados. Quando soubermos o lugar de onde emerge, abriremos o peito e guardaremos o vazio que é sem nos pertencer. A ambos.
Sou das que acredita no tempo. Na sua passagem e nos seus valiosos silêncios. Sempre fui amante de calmarias, da esperança que vive espelhada na agitação de um reflexo. Esse, que flui entre simetrias do que devolve.
Há quem se entregue numa fusão irreversível. E da unidade criada algum dia, fogem os medos do desaconchego e da certeza de que a liberdade nos corrompe, numa clausura cujos limites tocam a inexistência e o espaço que se abre no vazio guarda tudo o que nunca chegámos a querer.
Assim se vive. À deriva do que maltratamos, inseguros com as mágoas do futuro porque, às do passado, não as soubemos falar. De dentro para fora, ao que pertence a um mundo que não aquele que se abriga em nós. A viagem segue a sua hipócrita continuidade, em caminhos encruzilhados de destino incógnito. Pisam-se almas parceiras, mentes guerreiras, numa luta egoísta onde o respeito falece no instante em que percebemos a oportunidade de prevalecer. As pernas musculadas avançam num corpo tricolor onde, seguramente, o coração perdeu a sua vivacidade. A frieza despe a bondade e o altruísmo abandona a conquista dos ascendentes.
Mas, sou das que acredita no tempo. Que nem sempre o vento é prelúdio de tempestade. O frenesim da substância alheia balança em arquiteturas frágeis, quase sempre estilos barrocos que se autoproclamam Art Déco. Tantos são os momentos de loucura que a essência sísmica de cada um estremece o que ousamos fazer intocável. Todos. Do seu modo. Com uma subtileza intervalar ou um desaforo constante.
E assim vamos vivendo. Escondidos dos que se escondem de nós. Tu e eu. A verdade. A simplicidade em tudo o que a semelhança nos aproxima. E os outros, eu e tu, vagueamos imersos numa esfera autocentrada. Ironias. Focamo-nos no espelho que nos pertence, não para valorizar as singularidades que encontramos, senão apenas para nos julgarmos pelas ausências do que os infinitos reflexos têm diferente de nós. Se a menos, ostracizamos. Se a mais, invejamos. Numa ovação cínica que irrita a pele da abnegação.
Os anos passam e é esta a peça de teatro onde nos destacamos. Nem todos o alcançam, mas aos que logram chegar ao patamar do ser-se na primeira pessoa, deixando para trás a pluralidade das personagens que tentam, todos os dias, encarnar, o tempo chega, quase sempre, tarde demais.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.