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Palavras. Pensamentos. Desabafos. Em prosa ou em poesia. Com a voz de um amor que se tornou líquido.
As pupilas dilatadas, o coração acelerado numa ansiedade que se faz sentir em crescendo, convergindo num incómodo quase certo que não permite dormir nem relaxar. Recordam-se os sorrisos cheios, os olhares cúmplices de quem é principiante na matéria estudada. Talvez o sejamos sempre a cada nova etapa. Nessa realidade sonhada, os abraços interrompem o sossego, tal como as nuvens que colocam em pausa o calor estridente do sol.
Notam-se os cabelos desalinhados, a cor dos lábios envergonhados, o tom da pele escondida entre camisas impecavelmente engomadas. Os jeitos da voz, num concerto a que assisto gratuitamente. Sinto os aplausos dentro do peito e impeço-os de se fazerem ouvir, pelo medo, talvez tolo, de ser como todas as outras plateias extasiadas pela arte singular do que vislumbro.
Quem sabe, o meu erro foi querer ser um foco de luz num poema às escuras onde havia somente espaço para as sombras que se vestiam de nu.
Se isto não é amor, então não sei o que é.
É isto! Gratuito, seguro e em casa! Bons passeios!
Querida Vida,
Escrevo-te estas palavras com receio de que não as compreendas, de que me julgues de um egoísmo do qual achava, eu, não ser capaz. Mas não as posso mais guardar só para mim. Sinto que corro numa estrada com final, não aquele que nos surge pelo caminho, às vezes inesperado e demasiado precoce, senão num percurso onde o confronto com a realidade faz com que a certeza me falhe, mesmo debaixo dos meus pés. E quanto mais são os passos que ao mundo ofereço, mais o destino me parece inevitável.
Acredita, Vida. No início, quando aprendi a soletrar, talvez quisesse sentir que a minha escrita não era mais que uma alucinação. Resisti ao impulso quase certo de magoar a minha pele, de tatuar o que sempre me protegeu na expectativa, talvez ingénua, de pensar que a leveza do depois me traria o sorriso do começo e que, a partir daí, nada mais faltasse para me saber de mim. E para mim.
Foram inúmeras as vezes em que o meu corpo se curvou perante o abismo, num sem saber o porquê de tal ângulo iludido pelo que os créditos desse filme haveriam de trazer.
Eu sei, Vida. Mas já esperei demais. Quis muito que fosse diferente, desejei tanto girar no mesmo sentido que o resto do mundo sem sentir a brisa de todos os que corriam em direção contrária. Tentei olhar-me no reflexo da essência sem que as lágrimas me fugissem. Mais que tudo, procurei as repostas de tamanha indiferença, de ódio injustificado, de ansiedades alheias. Nunca as encontrei, mas na pesquisa ávida de uma saída, apercebi-me de duas coisas: que o amor dos outros nem sempre é incondicional, mas que aquele que sentes por ti dá-te as balas e o escudo que muito precisas. Da primeira retirei a coragem da diferença. Da segunda a valentia da espera pelo que não sabemos sequer se vem.
Não sei o dia de amanhã. Cada dia é a renovação de uma mesma incógnita. Tenho orgulho na minha força em todos os recuos que me obriguei a fazer, mesmo quando a solução parecia ser uma só. Sei que já senti a espuma das ondas humedecer as feridas, num limite quase sobreposto entre o vai e vem do que fica e o querer do que está exausto de se manter. Atrasei a fusão e hoje cheiro, de longe, a maresia, embora a sinta encaracolar-me os cantos dos lábios.
Talvez, Vida. Talvez mergulhe num rompante de insuficiência. Talvez aprenda a ler de trás para a frente. Talvez me inunde na escassez ou conheça o equilíbrio da demasia. Sem arrogância de ser, sem vergonha de não ter. Sei que em todos os instantes, foi a firmeza do teu abraço que me atirou a favor do retrocesso. Bolas, obrigada! Farei mais falta em ti do que no teu adversário, quem sabe. Amei-te sempre em todos os segundos do que me fui. E essa foi a minha única bala.
M.
Caríssimas e caríssimos, hoje deixei de lado as minhas reflexões pessoais que decorrem de um pensamento frequentemente abstrato, para debater um tema que me apoquenta ligeiramente: a crise do "...e depois logo se vê". Poderia começar pela própria experiência de ser humano e de como essa perspetiva surge associada ao modo de estar e de viver de tantos parceiros dessa bonita espécie cuja pertença compartilhamos. Indo mais longe, poderia fazer juízos de valor sobre o ténue limiar que existe entre o "logo se vê" futuro e o a priori do não querer saber senão do presente. No entanto, vou focar-me nas relações humanas, em particular, nas relações amorosas. Aqui não importam raças, idades nem orientações, mas somente o laço que eventualmente une duas pessoas.
Esse vínculo. Digam-me, por que motivo parece cada vez mais frágil? Por que razão se tornou facilmente descartável? Onde foi, no percurso da humanidade, que o amor se tornou uma opção talvez secundária, trazendo o consumo fugaz e carnal para lugar de destaque? Onde nos perdemos?
Não quero, com isto, empurrar o sexo para os últimos lugares do pódio dos aspetos que não permitem o falecimento daquela chama inicial, porém, qual foi o momento em que o verdadeiro amor tropeçou na inversão dos valores e das prioridades humanas, recuando para posições onde, nem sempre, o seu reconhecimento é valorizado?
Sou demasiado apaixonada pela vida para acreditar que uma relação resiste à ausência de erotismo e corporalidade, contudo igualmente cética para subscrever que é o toque da pele que abre portas à oportunidade, como se elas permanecessem necessariamente fechadas caso a faísca principiante sentisse dificuldade em se fazer notar.
Sexo é sexo. Amor é amor. Existe sexo no amor. Mas no sexo não há necessariamente amor. É simples. São duas águas que arduamente se separam. Por isso é que é, para tant@s, tão difícil envolverem-se fisicamente com alguém sem que floresçam outros sentimentos e vontades. E, também por isso é que ouço tantas vezes dizerem que, do sexo só pelo sexo, fica o prazer do instante e o vazio constante. Porque fica a metade de um todo que todos, mas mesmos todos, queremos, precisamos e procuramos completar.
Assusta-me ter consciência (e conhecimento) de relações que começam na base do "talvez goste", "talvez aceite", "talvez descubra", "talvez", "talvez", "talvez amanhã". Hoje quero "curtir", aproveitar e "depois logo se vê". Atenção! Sou apologista de que nenhuma relação, no começo, por muito que ambas as pessoas estejam interessadas e disponíveis, que isso seja receita infalível para uma fórmula duradoura. Há contratempos, há imprevistos, há descobertas do "outro" que só o tempo nos permite conhecer. Enfim, existe um batalhão de razões que podem explicar uma menos boa resolução, ainda que primeiramente tudo parecesse a coisa mais eficaz e matematicamente acertada do mundo.
Aquilo que tenho dificuldade em compreender é o engate por desporto. "Porque não me apetece passar a noite sozinho"; "Porque me sinto só"; "Porque quero ir para a cama com alguém só porque sim"; "Porque apostei com um amigo"- também já ouvi. E depois? Então, depois logo se vê - dizem eles e elas. Não estou em condição de julgar ninguém nem nunca tive essa pretensão porque a vida dos outros só a eles mesmos diz respeito, mas sinto alguma tristeza em aperceber-me desta realidade. Em sair à noite com um grupo de amigos, estarmos descontraidamente a conversar num bar, e sentir que somos (uns mais que outros) carne no assador, a deixar que o líquido da fome desça, lentamente, a favor da gravidade. É desconfortável.
Porque sabe a pouco, estou em crer. Por muito tórrido e memorável que seja, no dia seguinte, quem nos abraça antes do despertar? Quem nos protege antes do dia começar? Quem nos faz sentir invencíveis por muito que o mundo lá fora pareça descambar? Ficam as lembranças adicionadas a um álbum de vivências tão incrivelmente escaldantes como passageiras.
Falta a cumplicidade nos olhares mudos que se compreendem. Falta a magia do, às cegas, caminhar na mesma direção. Falta a luta do querer muito mais.
No depois que se torna presente, cresce a incerteza como na ingenuinidade de uma criança. Sem o abraço, o conforto, o amasso. Fica somente o sorriso do então descoberto e a vontade da repetição. No hoje. Ou no amanhã. Pouco importa, na verdade. O corpo agradece ao sentir o sol nascer e a mente novamente esquece o que a lua insistiu dizer: depois logo se vê.
Esse conceito que tantos ambicionam e que outros julgam impossível deixar de ter. Desconfio que são poucos os que transportam a teoria subjacente a uma definição um tanto ou quanto abstrata, para a capacidade de aplicabilidade da mesma nas suas vidas. A liberdade vai mais além da autonomia ainda que, seguramente, não deixe de lado o gozo da autossuficiência. É o resultado de uma multiplicidade de dimensões, algumas independentes e outras, quem sabe, inequivocamente vinculadas ao significado das demais.
Esta é uma noção associada a dois verbos fundamentais sem que, no entanto, possamos reduzi-la a uma mera conjugação. Liberdade no "ter", porque temos liberdade para ir, para descobrir e permanecer. Ampara-nos uma matéria orgânica inquieta que, mesmo que quisesse, não poderia jamais ficar num lugar apenas. Estou (quase) certa de que esta muitos a alcançam, a liberdade movimentada, do possuir e experimentar.
Mas, podemos nós ter a liberdade no ser livre enquanto corpo suspenso entre o aqui e o acolá, o agora e o futuramente, estando a sua essência incerta no ser, insegura de se suportar? Haverá compatibilidade no abandonar o mundo antes de, em si, se encontrar?
A liberdade do "ser" é indiscutivelmente mais traiçoeira, cujo caminho é quase sempre severo e ardiloso. Depara-se a gente com interrogações constantes, com avanços e recuos, numa sociedade que impinge a racionalidade que parece existir no habitual. E para todos os que se aventuram no, por vezes, precipício da não vulgaridade, sentem as amarras no tudo que os compõe. Apertadas, sem pontas soltas por onde desenlaçar.
É nessa complexidade que nos perdemos, na tentativa quase sôfrega de ser livre mais do que ser liberdade. Sabemos somente existir e vivemos à espera de lá chegar.
O desafio da liberdade
está na magia de ser-se do mundo
sem deixar de se ser verdade.
Cicatrizes do parto
são remendos da pele que sofreu por amor.
À profissão mais bonita do mundo: ser mãe
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