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15 de Fevereiro de 2021

por amorlíquido, em 15.02.21
Hoje, página 46 de 365. Um segundo capítulo repleto de intensidade. Nunca no preâmbulo desta viagem teria na imaginação uma fertilidade capaz de antever tamanha reviravolta. Desejei tudo como sempre. Que às tempestades as pudesse sentir antes de, em mim, se fazerem chorar. Quis os sorrisos multiplicados do antigamente e que as dificuldades dessa instância se tivessem perdido pelo caminho, sem a sabedoria suficiente para regressar.

Tudo me pareceu estranho naquelas notas iniciais. Um primeiro capítulo onde todas as 8 biliões de personagens se sentaram diante de mim, olvidando quaisquer apresentações individuais. Algumas sabia serem minhas, outras uma parte de mim. Todas pertencentes a uma esfera comum. Com rostos vulgares, nomes desconhecidos, histórias arrepiantes e uma vida ainda por desenhar. Assim virei a página que abria portas ao capítulo segundo, o mais curto dos doze por completar, porém de um enredo interminável. Perguntei-me porquê. Como seria possível a essência daquele tempo perdurar além das suas margens tocáveis por nenhum de nós? Com o coração apertado, o fôlego prestes a sucumbir, sabia que algo estava errado. A procura constante de uma lógica argumentável não me permitia crer em tal irracionalidade.

Foi na página 33, nas primeiras palavras daquele parágrafo de um terceiro começo, onde tudo desabou. Um passeio longe de ser feliz. Sabia certamente ser o prelúdio de um livro que se publicou cedo demais. Numa sociedade global apartada pelos idiomas que as dividem. Num universo onde os iletrados são mais que muitos, tanto os que em consciência o admitem como os que, por vergonha, fingem não reconhecer. Mensagens demasiado profundas, não indecifráveis, porém exigentes de um tempo mal conseguido.

Uma guerra sem fim à vista. Cada letra ao papel abraçada é uma bala que irrompe num cenário desprotegido e no qual as diferenças sobressaem inequivocamente. Quarenta e cinco dias depois, mantém-se a incerteza de um futuro que não sabemos se foi passado ou é presente. Emerge a pobreza dos mais frágeis, a altivez dos mais insensatos, numa luta sangrenta onde não vemos de onde surgem os disparos.

Hoje, mais de dois milhões das personagens principais já nos deixaram. Uns no cume da jovialidade, outros a favor de uma curva ingratamente descendente. Sem cor, sem idade. Alheio às origens semelhantes, tanto como à disparidade do que guardam no bolso. Levaram consigo histórias admiráveis, sofrimentos incomparáveis. Levaram vida. A mesma que, aqui, desvaneceu. Na terra cavada, no suor da desidratação. Levaram-se deixando muito de si. Nos desabafos que escreveram, nas organicidades que conceberam. Talvez nos amores não consumados, nos perdões não concedidos, nos arrependimentos que insistiram guardar. Seguramente nos contornos que ficaram por despedir. Aqueles, de carne e osso, que o solo que sempre pisámos haverá de consumir. Todos eles. Que à distância os souberam voar, e que apesar dessa distância, lamentam a ausência do abraço no momento de partir.

Um livro onde impera o drama, a ação e o terror. A comédia suporta a solidão e procuramos no romance dos que temos uma pausa na dor, uma ponte para a esperança. Livros que são o mundo. Este em que habitamos. Mal sabia eu que era a continuidade de uma obra não publicada, onde as últimas páginas faziam adivinhar a tormenta da pior saga.

Desconfio que o epílogo trará a urgência da mudança. Não nas letras desenraizadas por cada um dos que soubemos fugir, mas talvez na pragmática das ideias, na sintaxe das ações e, sobretudo, na semântica da existência.

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9 comentários

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João-Afonso Machado a 15.02.2021

Nós, cada um, páginas da Vida.
Gostei.
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amorlíquido a 16.02.2021

Obrigada pelo carinho!

Um bom dia
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Fleuma a 15.02.2021

Fascina-me este latejar de palavras.

.Posso bem ser arrogante, e deixar-me ficar. Mesmo sem consentimento.


Só falta o ruido desta cadeira de baloiço para conseguir repousar.



Saúde,
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amorlíquido a 16.02.2021

Fico feliz de saber que aprecia o que, por aqui, vou escrevinhando.
É recíproco!
Grata pela sua visita e um dia feliz
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Aqui há coração a 15.02.2021

Palavras lindas que deixa neste texto, sobre este nosso momento, que haverá de ser inesquecível por todas as razões
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amorlíquido a 16.02.2021

Sem dúvida! Obrigada pela visita
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cheia a 15.02.2021

Vai ser um salto em frente, mas que não será para toda a gente!
Boa noite!
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Calimero a 16.02.2021

…"Todos eles. Que à distância os souberam voar, e que apesar dessa distância, lamentam a ausência do abraço no momento de partir."

Quanto isto transmite! Tao bem dito" Tao duramente sentido!

Parabéns pelo texto!



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